Trolltunga (Noruega & Suécia 2015, Parte III)
Olá pessoal! Aqui é a Rita e o André. Finalmente, estamos prestes a contar-vos a história de quando fizemos a caminhada até ao Trolltunga, um dos desfiladeiros mais impressionantes do território norueguês. Fica a 1100 metros acima do nível do mar e está suspensa a 700 metros acima do lago Ringedalsvatnet. Se leram os posts anteriores (Bergen & Odda), já ficaram com a ideia de que esta caminhada foi o principal motivo que nos levou a visitar a Noruega. Não fazemos este género de actividades com grande regularidade nem a um nível muito exigente e não queremos que fiquem a ideia errada. A caminhada até ao Trolltunga é muito longa e difícil. Mas perfeitamente viável para quem está em forma e mantém um estilo de vida activo e saudável. Este post (como podem ver) é bastante mais longo que os nossos posts habituais, porque acaba por funcionar como um guia para potenciais interessados em fazer esta caminhada. Se tiverem o Trolltunga na vossa lista e precisarem de ajuda a riscá-lo, estamos aqui para vos ajudar. É relevante mencionar que reservámos a nossa viagem com 6 meses de antecedência, portanto tivemos imenso tempo para ler, avaliar, preparar e comprar alguns bens essenciais. Lemos inúmeros testemunhos de quem já lá tinha ido, o que nos ajudou a compor o nosso próprio apanhado de toda a informação que consideramos ser fundamental.
Só é possível fazer esta caminhada entre a segunda quinzena de Junho e a primeira quinzena de Setembro. Nesta altura, a neve já terá derretido e o trilho é mais seguro. Nós fizemos a caminhada no dia 30 de Junho mas pelo que nos foi dito, o inverno anterior tinha sido tão rigoroso que mais de 80% do trilho estava ainda sob a neve, o que não é nada típico para esta altura do ano. Felizmente, apercebemo-nos disto antes de abalarmos para a Noruega e preparámo-nos da melhor maneira possível. Os nossos ténis de caminhada não eram impermeáveis e nós não estávamos dispostos a comprar uns novos, por isso tivemos de fazer os possíveis para compensar o que nos podia estar em falta (levámos uns pares de meias extra, para trocar a meio do caminho!). Se pudéssemos voltar atrás no tempo, alteraríamos apenas uma coisa que poderia ter feito uma grande diferença: óculos de sol. Estávamos ainda a meio do caminho e os olhos ardiam devido ao reflexo da luz do sol na neve.
Naturalmente, os nossos conselhos para potenciais interessados e sugestões para o que levar estão de acordo com estas condições climatéricas. Mas se por ventura tiverem a chance de fazer a caminhada durante um verão que se assemelhe mais a verão, os vossos bastões de caminhada, por exemplo, não vão precisar dos acessórios para a neve. Antes de vos contarmos como nos correu a caminhada propriamente dita, aqui vai:
ARTIGOS ESSENCIAIS DE CAMINHADA
- Botas de caminhada de boa qualidade, de preferência impermeáveis (com toda a neve e riachos, é quase certo que fiquem com os pés encharcados)
- Meias de caminhada de alta qualidade, mais um par extra na mochila (a qualidade das meias pode salvar-vos os pés. As nossas custaram mais de 10€ o par e confiem em nós: COMPENSA.)
- Roupa para caminhada em camadas (uma camada base justa e confortável, uma camada térmica e uma impermeável)
- Bastões de caminhada com acessórios para a neve, pelos menos 1 por pessoa (ajudam realmente a subir e descer a montanha e aliviam a pressão nos joelhos)
- Óculos de sol (A sério. Não sejam uns tontos [como nós] e lembrem-se dos óculos.)
- Creme protector SPF+30 (duh.)
- 1 rolo de papel higiénico ou pacotes de lenços
- Saco de plástico (para recolha do lixo)
- Comida e água suficientes para todo o dia (vão estar na montanha cerca de 8 horas, mantenham o organismo nutrido e hidratado!)
- 1 mochila prática e confortável (não requer explicação)
OUTROS ARTIGOS
- Canivete
- Máquina Fotográfica (não vão querer esquecer-se de registar este dia!)
- Kit básico de primeiros socorros (nada de mais, nós tínhamos desinfectante e pensos rápidos)
- Artigos de acampamento (caso tencionem passar lá a noite)
Isto é tudo, no que toca a material. Acrescentem uma boa dose de força de vontade, uma boa noite de sono e um pequeno-almoço digno de campeões e devem estar prontos para o desafio! Sem mais demoras, foi assim que aconteceu:
Os preparativos para a caminhada começaram no dia anterior, quando fomos ao supermercado no centro de Odda comprar fruta, cenouras, pão e água para o grande dia da caminhada. Como estávamos a planear começar de manhã bem cedo, não sobrava nem um minuto para ir ao supermercado. O nosso hotel ficava em Vasstun (a 15 minutos de distância de Odda), mas a caminhada para o Trolltunga tem início em Skjeggedal (a 9 kms de distância). Há várias maneiras de se chegar a Skjeggedal, mas o que a maior parte das pessoas faz (e nós planeávamos fazer também) é apanhar um autocarro de Vasstun (pára mesmo à porta do hotel) para a estação rodoviária de Odda, onde se apanha outro autocarro para Tyssedal (uma vila na montanha, a certa de 6 kms de Odda) e lá, apanhar um táxi até Skjeggedal.
Mas isso não foi bem o que aconteceu. Acordámos super cedo nessa manhã e tomámos o pequeno-almoço no hotel com um grupo grande de norte-americanos que também se estavam a preparar para fazer a caminhada nesse dia. Eles tinham reservado um mini-bus que os levaria directamente a Skjeggedal. Metemos conversa com eles e perguntámos se havia espaço para mais dois. Quando disseram que sim, não hesitámos por um segundo sequer em trocar os nossos planos de 2 autocarros e 1 táxi por apenas 1 viagem de mini-bus. Éramos tantos no mini-bus que, divididos os custos, pagámos menos do que teríamos pago caso o plano inicial se tivesse mantido. Chegámos a Skjeggedal uns minutos antes das 8 da manhã e lançámo-nos imediatamente ao desafio. Tínhamos o dia inteiro para caminhar 22km na neve, e não queríamos desperdiçar nem um minuto.
Se leram testemunhos ou viram fotografias do percurso até ao Trolltunga, então já sabem como é o início. O primeiro quilómetro (e portanto, o último também) de todo o caminho é, sem dúvida, o pior. Há não muito tempo, dava-se início à caminhada com uma subida de 1.7km pelos carris de um funicular abandonado. Quando lá chegámos, estes carris estavam parcialmente destruídos e completamente interditos. A rota alternativa inicia-se com uma subida de 1km por uns degraus de pedra pela montanha acima. Não se deixem iludir pelo facto desta subida ser bastante mais curta que a do funicular — é uma subida extremamente desafiante e árdua. Demorámos cerca de 45 minutos a chegar ao topo, com as pernas já doridas e a tremer. Não temos fotografias desta parte da caminhada porque, pensem bem. Não dá! Focámo-nos em subir degrau após degrau e em controlar a respiração. Podem ter uma breve ideia de como é a subida no nosso vídeo da viagem, entre o minuto 1:28 ao 1:38.
Bem, este post já vai enorme e ainda agora chegámos ao topo da montanha — fiquem connosco, pessoal! Quando o horrível primeiro quilómetro já estava para trás, finalmente parámos uns minutos para recuperar o fôlego e para olhar bem à nossa volta. A neve já estava por toda a parte e ainda tínhamos um longo caminho a percorrer pela montanha acima. A paisagem era absolutamente arrebatadora e fizemos pausas constantes para olhar para trás, apreciar quão longe já íamos e fotografar o cenário de todos os ângulos possíveis e imagináveis. A neve era tanto um ponto a favor como um contra. Obviamente, tornava a caminhada dezenas de vezes mais complicada do que tínhamos imaginado, mas também a tornava mais bela e impressionante. O maior problema levantado pela presença da neve (para além de ser super exaustivo caminhar sobre ela) era que todos os sinais estavam completamente soterrados, e não havia maneira de saber quantos quilómetros já havíamos percorrido ou sequer se estávamos a caminhar sobre o trilho. Felizmente, cruzámo-nos com cerca de 30-40 pessoas ao longo de todo o dia, por isso havia sempre alguém à vista e podíamos seguir as pegadas na neve.
Demorámos 4 horas e meia a percorrer o caminho até ao Trolltunga, muito mais tempo que o caminho de regresso. Parámos 3-4 vezes para descansar e comer e tirámos mais fotos que as que conseguíamos contar. Levámos algum tempo a habituar-nos a caminhar sobre a neve, o que nos atrasou durante os primeiros quilómetros na neve densa. Mas estávamos felizes, o sol brilhava, e estávamos finalmente a cumprir este sonho. Havia pessoas de todo mundo, velhos, novos, crianças com os pais, pessoas com cães, casais como nós e grupos de amigos. Toda a gente levava um grande sorriso na cara e transpiravam felicidade por estar a viver uma experiência inesquecível.
Depois de 11 km, principalmente sobre neve, chegámos finalmente ao Trolltunga. Não havia muitas pessoas na fila para ir para o dito cujo (sim, existe uma fila) e eu (Rita) fui primeiro. O André escolhia a localização ideal para tirar as fotografias enquanto eu esperava pela minha vez. Estava prestes a pisar a língua e a tentar controlar as emoções que me atacavam. Pensava nos meus pais e no quanto desejava que pudessem estar ali, connosco. Avancei pela língua, sentei-me calmamente na rocha e cheguei-me à beira, devagarinho. Respirei profundamente e olhei para o fundo do precipício. Confere,isto é alto, pensei. Só estive sentada uns 30 segundos, depois dos quais me virei para o André e sorri para às fotos, ainda com lágrimas nos olhos. Com calma, voltei a chegar-me para o centro da língua antes de me levantar e voltei para a montanha. Troquei de posições com o André e lá foi ele reclamar a sua vez.
Ficámos sentamos durante uma boa meia hora a assistir a toda a gente caminhar sobre a língua e posar para as fotos. Tirámos as nossas meias (que estavam ENCHARCADAS) e pusémo-las numa pedra ao sol para que secassem (não secaram). Enquanto comíamos um lanche, começámos a pensar nos 11 km que tínhamos de percorrer de novo.
Estávamos a preparar-nos para retomar a caminhada quando me voltei para o André e disse "Nem pensar que vamos daqui sem ter uma fotografia dos dois lá em cima!". Ponderámos por uns segundos, voltámos a pousar a tralha e fomos para o fim da fila outra vez. Uma rapariga super simpática ofereceu-se para ficar com a nossa máquina fotográfica e registar o momento quando chegasse a nossa vez.
Agora sim, depois de termos lá estado os dois juntos, estava na hora de voltar para trás. Nas nossas mentes, só era válido dizer que lá tínhamos estado depois de descer do último degrau daquele 1 km diabólico. Era uma e meia da tarde e já estávamos a acusar sinais de cansaço. A ideia de um banho quente e da nossa cama no quarto de hotel motivava-nos a manter um bom ritmo. O caminho de regresso fez-se bastante mais rápido, uma vez que só fizemos uma paragem para comer qualquer coisa. Também já estávamos completamente habituados à dinâmica de caminhar sobre a neve e a dada altura parecíamos estar em modo de piloto automático. Nem as dores nos joelhos nos fizeram abrandar, mas valeram-nos algumas caretas feias (como esta). Demorámos 3 horas a percorrer os 11 km de volta.
Foi assim que pousámos os pés em chão firme, fora da montanha, que nos apercebemos do quão exaustos realmente estávamos e do quão fracas estavam as nossas pernas. Mal podíamos crer que havíamos terminado o mal desafio das nossas vidas até então. Ainda assim conseguimos arranjar uma última gota de energia e partilhar um grandessíssimo high five. Já estava!
Chamámos um táxi para nos levar de volta para Vasstun e partilhámo-lo com dois rapazes britânicos. Seguimos directamente para o nosso hotel depois de os deixar no centro de Odda. Escusado será dizer que as nossas pernas pareciam gelatinas durante os dias que se seguiram, e que a tarefa de subir 2 andares até ao nosso quarto de hotel foi quase tão complicada quanto a caminhada em si.
Mas esta não foi a última das nossas aventuras por terras escandinavas! No dia seguinte voltámos para Bergen e apanhámos o comboio para Oslo, onde passámos duas noites. Descubram o que se seguiu no post Oslo (Noruega & Suécia 2015, Parte IV).